quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O mundo dos surdos e a dança



Ângela Baasch, deficiente auditiva, dançando para os alunos da EM Nossa Senhora do Carmo. Foto: Marcelo Almeida

O mundo dos surdos não é uma calmaria só porque nele não existem sons. As pessoas que não escutam são sensíveis à vibração do ar causada pelos ruídos e têm uma percepção extra que as faz reconhecer ritmos e notar quando alguém se aproxima. "Não ouço nada, mas sinto tudo. E isso me deixa feliz", diz Ângela. Aluna da 4ª série da EM Nossa Senhora do Carmo, em Curitiba, ela também é atendida por profissionais do Centro de Reabilitação Sydnei Antonio (Cresa), da Universidade Tuiuti do Paraná, onde aperfeiçoa o conhecimento em libras (Língua Brasileira de Sinais) e em Língua Portuguesa, aprende leitura labial e a se expressar oralmente.
"Ângela adora dançar. E precisa ter música", conta Ivanir Baasch, mãe da menina e de mais cinco filhos, três deles surdos. A comunicação em casa é feita com gestos, leitura labial, oralização e uma lousa na sala de jantar. "Ela me ensina as palavras certas", afirma, orgulhosa, a dona-de-casa, que parou de estudar na 2ª série e quer que a filha tenha uma profissão, case-se e seja mãe.
Na hora do recreio, Ângela exibe coreografias para as amigas, que imitam seus movimentos sintonizados com o ritmo que sai das caixas de som. A professora da 4ª série, Rosana Chicoski Francisco dos Santos, elogia o desempenho da menina: "Ela é esforçada e atenciosa. Fazemos atividades, com todos os alunos, nas quais as habilidades de Ângela sejam valorizadas", diz. Os especialistas do Cresa estão sempre em contato com os colegas da escola regular para tirar dúvidas e sugerir estratégias.
Além de se comunicar por libras, o surdo também pode aprender a falar pela metodologia da oralização. Nela, treina o reconhecimento de ruídos e sons e exercita a respiração e os órgãos que ajudam na fala. A técnica estimula o uso de aparelhos que amplificam os sons. Mas é preciso sentir-se confortável. "Aprender a falar não pode ser uma imposição, como foi no Brasil até a década de 1990, resultando em graves problemas escolares", adverte Ana Dorziat, professora da Universidade Federal da Paraíba. Só nessa época começou a ser aceito o bilinguismo, que é se comunicar em língua de sinais e ser alfabetizado na língua dominante. Há ainda a metodologia da comunicação total, que permite oralização e uso de gestos. Um exemplo é a Língua Portuguesa sinalizada, um código gestual para a estrutura do idioma (diferentemente de libras, que tem sistema linguístico próprio).

Planejamento a oito mãos
Mesmo que a criança surda aprenda todas essas técnicas, a visão é para ela o sentido mais importante. Por meio dela, entende o mundo. Isso a torna imprescindível no processo de aprendizagem. "Se houver fotos e ilustrações na sala regular, não é preciso mais nada de especial", diz a educadora Mirlene Ferreira Macedo, do Complexo Educacional Ameduca, em Uberlândia, a 560 quilômetros de Belo Horizonte, com três alunos surdos.
Além das salas decoradas com maquetes, pôsteres e cartazes, a escola conta com três profissionais especializados que usam recursos visuais diariamente: a instrutora de libras (que ensina língua de sinais); um professor com conhecimento em libras (responsável por explicar os conceitos das diversas disciplinas com sinais) e a professora de Língua Portuguesa, como segunda língua do aluno surdo, que o ajuda a memorizar a estrutura do idioma para usar nos textos escritos.
O trio acima junta-se ao professor da sala regular para fazer o planejamento. Exemplo: aulas sobre o antigo Egito. A instrutora de libras ensina os sinais que se referem ao contexto do conteúdo (faraó, pirâmide, sepultamento etc.) e ainda inicia os ouvintes da comunidade na linguagem. Já o professor em libras trabalha os significados desses conceitos e vocábulos. Tudo sempre com muitas figuras para ilustrar. É papel da professora de Língua Portuguesa ajudar todos a compreender e a elaborar textos escritos. Sua atuação é fundamental, porque em libras não há conjugação de verbos nem preposições ou artigos. Se o surdo quiser comunicar a frase "a menina vai à escola", pode fazer os sinais referentes aos substantivos e ao verbo em qualquer ordem. Porém, se quiser registrar essa mesma idéia no papel, precisa conhecer a estrutura formal do idioma.
Por isso, os alunos com deficiência auditiva têm atraso na escrita de quatro anos, segundo Fabíola da Costa Soares, professora da disciplina na Ameduca, mas com esse acompanhamento estão aptos para aprender com os demais. "É importante que pais e professores saibam que esses estudantes têm o direito de ser educados também por especialistas na sua primeira língua (libras)", explica Ana Dorziat. "Se não for assim, eles estarão excluídos do processo de aprendizagem."


(FONTE: http://revistaescola.abril.com.br/inclusao/educacao-especial/musica-danca-incluir-deficientes-auditivos-563717.shtml?page=0)

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